quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Que Se Chama Amor!


 

Toda esta história de transformação da minha vida teve inicio muito antes deste pequeno ser, vir ao mundo.

Desde pequeno que eu sentia o desejo de ter um cachorro. Um cachorro pra chamar de meu.

Passaram-se muitos anos e nada de conseguir realizar esse sonho.

Então... 

Num belo dia, ao sair de casa, me deparei com uma cadela branca com manchas marrons. Estava deitada debaixo de um carro, aparentemente maltratada pelo tempo, falta de alimento e sorte.

Ao me aproximar, fui recebido com um par de olhos castanhos, que me fitaram com ar de curiosidade, espanto e pedido de socorro.

Não resistindo ao desejo de fazer algo, por menor que fosse, e que pudesse tirá-la daquela situação, me prontifiquei a conquistar sua confiança.

Quando ela se deu conta de que eu não queria seu mal, logo passou a atender ao meu chamado e a estabelecer uma relação de amizade.

Apesar dela ser branca, eu a chamava de Nega.

O tempo foi passando, ela começou a frequentar minha casa e, quando menos esperávamos, percebi que ela estava esperando filhotes.

Até então eu não fazia idéia de quantos, mas sabia que não seriam poucos, dado o tamanho dela.

A barriga foi crescendo, crescendo e chegou o dia no qual ela nem aguentava sair do chão, direito.

Então, no dia 2 de janeiro de 2009, ela trouxe ao mundo os 9 novos membros da minha familia. Todos branquinhos com manchas marrons.

Neste dia, pela manhã, eu estava diante dela (nega, mãe do negão) e presenciei ao nascimento de todos os filhotes (mais ou menos umas 7 fêmeas e 2 machos). E dentre eles, estava um pequenino aparentemente normal. Porém o tempo se encarregou de mostrar que aquele era um 'menino especial'. E muito!

Para cada um dos filhotes que eu estava conhecendo, dei-lhes um nome (Pintada, Miúda, Bela...) E um deles, em especial, todo branquinho e com a ponta do nariz, preta, batizei de 'negão'.

Com o passar dos dias eu notei que aquele cachorrinho, em especial, tinha algo de diferente. Algo que não soava bem. E então eu me dei conta de que ele não andava como todos os outros.

Por não acreditar que ele não sobreviveria por muito tempo e ainda desprovido de ligações afetivas, com ele, deixei que o tempo continuasse seu fluxo normal.

Cada dia era uma diversão para mim e o tormendo para o resto da casa, que enlouquecia com tantos latidos, ao mesmo tempo.

Sempre que eu ia ao encontro deles, bastava dizer: 'Criaaaanças', e logo se podia ouvir aqueles passos ligeiros, em minha direção.

Só Negão que chegava tarde, porque pelo fato de não poder andar, teria que se arrastar pelo chão; o que lhe rendeu tantos ferimentos, ao longo da vida.

Tempos mais tarde (cerca de 4 meses) vi que negão não estava bem. Ele havia adoecido e parecia estar lutando pela vida. Então, munido do mais puro desespero (agora sim eu estava ligado a ele) o levei ás pressas até uma veterinária que o examinou, deu ordem de internamento e indicou alguns remédios e exames.

Mais tarde ficou evidenciado que ele estava com uma virose forte, seguida de anemia.

Comprei os remédios receitados, continuei o tratamento e depois de um tempo, ele voltou a ser o bom e velho Negão, de antes.

Cada dia que eu vivia com aquele cachorro, era como um aprendizado novo, para o curriculum da vida.

Apesar de não conseguir andar, ele estava comigo onde quer que eu fosse.

Ás vezes eu o enrolava numa toalha e o levava pra conhecer a rua, o mundo lá fora. Ás vezes não.

Ele cresceu até meados dos 5 meses, ao lado de algumas das irmãs (umas, morreram, outras, foram doadas). Mas a partir do 6° mês ele já era o rei da casa. Não tinha irmão algum com quem dividir o carinho, a atenção e afins.

Foi aí que nossa história começou a ficar mais intensa, mais viva e indescritível.

Junto com o problema de má formação, ele adquiriu também, um problema na bexiga; ele não conseguia exercer controle sobre ela. Logo, a todo o tempo ele estava urinando. E por não ter como sair, sozinho, logo aprendeu a chamar atenção para que alguém viesse ao seu socorro. E esta foi a marca registrada dele.

Sempre que queria atenção, sabia muito bem que bastava 'chorar'. E ele chorava mesmo.

Chorava por comida, por água, por carinho, por companhia e até mesmo por nada. A 'diversão' dele e que ele tanto adorava era chorar.

Gostava tanto que por conta dos choros, nos fez perder inúmeras noites de sono.

Haviam dias nos quais eu colocava ele pra dormir, e ficava na sala, vendo tv. Enquanto eu estivesse sentado, no campo de visão dele, quietinho ele permanecia. Porém, bastava eu dar sinais de que á estava de saida e ele levantava as orelhas ponteagudas e iniciava o choro.

Ás vezes eu brigava com ele, por isso. Mas noutras oportunidades eu sabia que ele não tinha culpa. Ele precisava de atenção especial e eu era a pessoa que ele mais esperava, a cada chamado.

Quando eu saia para comprar o shampoo dele, sempre procurava algo á mais, para diverti-lo. E por duas vezes eu comprei osso de plástico (creio eu), para que ele pudesse ter com o que passar o tempo, com um pouco menos de tédio. Mas ele brincava tanto com eles que, em pouco tempo, nada restava. Logo desisti de presenteá-lo com tal.

Negão era o tipo de cachorro que apesar das limitações, me deixava morrendo de orgulho.

Sempre que eu estava de saida, ele me olhava, transmitia o que queria dizer e ficava quietinho no cantinho dele. E ao perceber minha volta, logo fazia barulho. Latia tão forte que me fazia chegar perto dele, segurá-lo pelas orelhas e dizer: Você já está um rapazinho. Tá latindo feito 'gente grande'.

Eu era tão cúmplice dele, que por diversas vezes me pegava conversando com ele. Falava sobre tudo e qualquer coisa, como se ele pudesse compreender minhas palavras. E de certa forma eu sabia que ele entendia. Ele mais falava com o olhar, do que muitas pessoas, com a boca.

Ás vezes eu chegava da rua, abraçava ele e falava: Ô menino liiindo. Meu cachorrão. Coisa linda do vô.

A hora do banho era sempre uma diversão (ou não). Negão era tão esperto que, ao notar que uma palavra era repetida sempre na hora do banho, logo mostrava sua irritação diante dela. 

Bastava chegar a hora do banho, que eu olhava pra ele e falava: 'Negão, bora?!'. E ele, instantaneamente se irritava e latia pra mim, como se quisesse deixar clara a sua revolta. Mas isso logo se transformava na maior paz, quando ele já estava em contato com a água. Na água ele era um bobão.

Ele ficava tão quieto, tão em paz, com aquele olhar fixo e a cabeça recostada no meu peito.

Certa vez eu o peguei para brincar, e o levantei na altura da minha cabeça. Achei aquela cena tão bacana, que só para me estragar a festa, ele urinou no meu peito e fez cocô no meu pé (ao mesmo tempo).

Isso com toda a certeza seria o suficiente (em outro dia) para me tirar do sério e lhe render uma bela

bronca. Mas não. Naquele momento eu só fiz rir. Rir de mim, por estar todo sujo e dele, por ter-me feito reagir de forma contrária ao habitual.

Negão sempre me deixava intrigado com aquele olhar. Ele sabia me silenciar com a forma como me fitava. E sempre conseguia.

Por vezes eu peguei a câmera, posicionei ela e aproveitei da quietude dele, para registrar-nos, nos mais diversos 'momentos de familia'.

Ele era tão bobo que até fazia pose. Ora abaixava a cabeça, ora fechava os olhos. Mas sempre com uma pose, como se entendesse o que eu queria.

Cansei de acordar no meio da noite para limpar ele. Por diversas vezes levantei e ao chegar perto, notava a mudança de comportamento. Ele sempre queria atenção e carinho. Sabia como dobrar a todos, com aquela carinha de pidão e aquele olhar carente.

Por vezes ele me tirou do sério e me fez perder a paciência. E nessas horas, eu sempre disse algo que mais tarde me faria arrepender. Mas quando eu dava por mim, já tinha saido.

Há quem pense que eles não entendam o que possamos dizer. Mas eu sinto que Negão era sim, capaz de sentir o meu estado de espirito e reagir a ele.

O tempo passou. Ele cresceu. As lições de vida me foram empregadas e aos poucos eu fui me dando conta da lição do dia. E ele me empregava muitas.

Uma delas e a principal (para mim) foi a ser mais paciente. Negão sempre estava a testar-me. Ás vezes eu passava, ás vezes, não. Mas cada dia era um teste pra mim.

Ninguém conseguia entender a ligação que eu tinha com ele. Assim como não entendem, ainda hoje.

Negão e eu, erámos como almas especiais que se reencontraram nesta vida. E logo perceberam que uma precisava da outra, para que a evolução se fizesse valer.

Mas ele tinha o dom de me irritar. E ultimamente eu já estava sem paciência para o choro excessivo e as birras dele.

Isto, por diversas vezes, passou a ser motivo de discórdia em casa; pois eu já não aguentava mais escutar aquele som irritante, que nada mais era do que um pedido de ajuda, de alguém que não podia agir sozinho.

Dae o tempo continuou passando e finalmente chegamos ao fim do ano. Negão estava prestes a fazer seu primeiro aniversário de vida.

Vieram os festejos de fim de ano e estávamos nos aproximando do dia 2.

E quando finalmente o dia chegou, eis que ele passou a ser ainda mais paparicado do que antes. Afinal, era o primeiro aniversário e ele era o xodó da familia.

Mas eu já não era o mesmo. Não com ele. Eu já estava impaciente demais e qualquer coisa me tirava do eixo.

Como já havia dito, Negão podia até não saber exatamente o que eu falava, mas era capaz de sentir o meu estado de espirito.

Então, a partir dai, ele adoeceu novamente. Desta vez ele foi pego por uma infecção urinária.

Infecção, essa, que por dias o fez urinar sangue e aumentar ainda mais a sua dependencia quanto átenção de todos ao redor.

Se antes ele já chorava atoa, agora era ainda pior.

A todo o tempo alguém precisava limpar ele, já que antes era urina e agora, além dela, havia o sangue.

Negão entristeceu e dia após dia se mostrava mais abatido.

Ele já não era aquele cachorro do olhar radiante, do latido potente e das expressões decifráveis (para mim). Não tinha mais aquela energia viva e nem aquele encanto que tanto mexia comigo, desde seu nascimento.

No dia 17 de janeiro de 2010, me pediram para que eu o oferecesse um chá, afim de evitar a onda de vômitos que o havia acometido; já que eu era o único que tinha coragem de colocar os dedos entre aqueles dentes afiados.

Então, quando o fiz, senti aquela pegada forte, fora do comum. Ele me mordeu tão fortemente que até me assustei com a reação dele. E instantaneamente fui dominado por uma fúria sem tamanho, que me fez dar o maior esporro que eu já havia direcionado a ele. E na mesma hora eu vi no olhar dele, a mais profunda decepção da sua vida (e uma das minhas, também).

Ele não merecia aquele tratamento. Não era digno de tal atitude. E eu falei. Outra vez.

Passei o resto do dia sem falar com ele. E ainda por cima, sentindo na pele a revolta dos outros, ante a minha atitude.

Naquele dia eu fui para a cama sentindo um pêso na consciencia. Um fardo latente.

E não consegui dormir direito. A todo o momento eu acordava durante a madrugada e procurava uma forma de desviar o pensamento. Inutilmente.

A cada piscar dos olhos, eu revia a cena do dia anterior. E aquilo me atormentava de tal forma que nada me fazia 'apagar'.

Finalmente o dia amanheceu, eu saí do quarto e dei de cara com ele, deitado, cabisbaixo a me olhar.

Por 1 ou 2 minutos eu parei e olhei no fundo daqueles olhos expressivos, tentando juntar forças e pedir desculpas. Mas não consegui. Estranhamente o olhar dele estava obscuro. Distante. Vazio. E eu disse para mim mesmo que o faria mais tarde.

Dae eu fiz o que tinha que fazer e sai. E como sempre, na despedida ele me olhou, me deixou sentir o que pensava e logo abaixou a cabeça.

Mas naquele dia, naquela hora, naquele instante, eu não consegui entender a forma como ele me encarava. Daquela vez existia algo por trás. Algo que eu não percebi a tempo. Era como uma despedida silenciosa.

Então eu saí.

Ás 14h eu cheguei em casa. E  de lá da entrada eu pude ouvir minha tia dizendo, em voz baixa: Ele morreu ás 14h em ponto.

 Como eu ouvi de longe, não percebi direito o que ela havia dito. Então eu entrei, passei por ele (sem olhá-lo) e fui almoçar.

Quando estava sentado diante da mesa, com o talher em mãos e pronto para almoçar, ouvi mais uma vez aquela frase atordoante: Ele morreu.

Meus olhos começaram a arder, minha mão devolveu o garfo, ao prato, minhas pernas me guiaram até ele e logo me vi abaixando, perante seu corpo.

Quando descobri seu corpo, agora sem vida, desabei no choro e por muito eu fiquei sentado com ele nas minhas pernas.

Eu não podia acreditar no que estava vendo. Meu companheiro de 1 ano e 16 dias havia me abandonado.  E nem foi capaz de esperar uns 5 minutos. Tempo suficiente para que eu pudesse então lhe pedir desculpas pela falha do dia anterior, em especial.

Chorei muito. Chorei o quanto pude e durante todo o resto do dia. Sentí o peso tomando conta da minha consciencia e me condenando por ter estado ausente no seu ultimo suspiro e por ter deixado como ultima lembrança, uma amostra de ignorância, rispidez e intolerância.

Ninguém nesse mundo faz idéia do quanto eu senti a morte dele. Ninguém é capaz de entender o que eu perdi.

Alguns poderiam dizer: Era apenas um cachorro.

Mas não. Não era apenas um cachorro. Era o MEU cachorro. O meu COMPANHEIRO, o meu INSTRUTOR. Era a minha lição de vida, VIVA.

Mas Deus sabe o que faz e tenho certeza  de que ele está em boas mãos, agora.

Talvez ele tenha ido para outro lar, alegrar a vida de alguém, assim como fez com a minha. E fez tão bem feito.

Depois de tudo o que eu viví com ele, posso dizer com todas as letras e convição do meu ato:

O que ele despertou em mim é aquilo que se chama AMOR.

2 comentários:

Unknown disse...

Esses anjinhos de patas que tanto nos conquistam, encantam e ensinam, quando se vão deixam saudades inexplicáveis.

Sinto muito Tiozão :/

Tio Tatu disse...

Pois é, Morena.
Esse pequeno chegou na minha vida, já com o destino/propósito traçado.
Me alegrou, me deu trabalho e, entre outros, me deixou um monte de lições de vida.
"Saudade, já não sei se é a palavra certa para usar. Ainda lembro do teu jeito."